Março 2017
Matéria Cultural II
APENADOS VIRAM RESTAURADORES DE LIVROS EM PENITENCIÁRIA DO PR
Hospital de Livros foi implantado na Penitenciária Estadual de Ponta Grossa pelo
Instituto Pegaí Leitura Grátis
As mãos calejadas, a aparência sofrida ou as expressões duras parecem não combinar com o jaleco branco ou com o local de trabalho. Nem sequer os equipamentos de trabalho parecem estar no seu local correto. Guilhotina, papel ou cola em um Hospital?
Mas aqui nem os trabalhadores e nem o Hospital podem ser considerados convencionais. Os trabalhadores são alguns dos apenados da Penitenciária Estadual de Ponta Grossa (PEPG), localizada no Paraná. E neste hospital os pacientes não são pessoas não. São doentes, mas são os livros. Aqueles que já não estavam mais em condições de serem lidos, e que aquelas mãos calejadas, o transformaram para ganhar vida nas mãos de novos leitores.
Estamos falando de um Hospital de Livros. Desde maio de 2016, o Instituto Pegaí Leitura Grátis implantou o novo canteiro de trabalho na Penitenciária de Ponta Grossa. E hoje dá nova oportunidade para os livros e para as pessoas.
O Instituto mantém uma proposta de democratização de livros em Ponta Grossa, que tem como missão aproximar livros sem leitores de leitores sem livros. Por meio de doações de livros, o Pegaí disponibiliza a leitura grátis em mais de 20 estantes localizados em locais de acesso público em Ponta Grossa. Já são mais de 85 mil livros ‘rodando’ no município, que conta com pouco mais de 315 mil habitantes.
Após levar o Pegaí para dentro de ambientes prisionais disponibilizando leitura (o Instituto conta com estantes na PEPG, Cadeia Pública Hildebrando de Souza e na Casa de Semiliberdade de Menores Infratores), uma ideia. Conciliar a necessidade de recuperar livros com a de ocupar uma mão de obra, que até então estava parada. O Hospital de Livros não é o primeiro projeto a levar trabalho para dentro de uma Penitenciária. Lá na PEPG há uma empresa de sapatos que ocupa a mão de obra prisional. Uma chance para os apenados terem uma ocupação e um auxílio financeiro.
Para dar início a proposta do Hospital de Livros, o Instituto realizou a capacitação de alguns dos apenados. Estes, escolhidos pela direção da Penitenciária pelo bom comportamento. O restaurador que já realizava trabalho voluntário para o Pegaí, Américo Nunes, virou professor dos apenados. E hoje já podemos chama-los de restauradores do Hospital de Livros.
Após mostrar o trabalho do Hospital de Livros, o Pegaí ganhou parceiros para mantê-lo. A Virtual Software para Seguros, a Gráfica Iprint, a Agência Eletricka Klupp, a M2 Gráfica Rápida, além da Unimed Ponta Grossa, são mantenedores do Hospital de Livros do Instituto Pegaí Leitura Grátis dentro da Penitenciária Estadual de Ponta Grossa.
UM CANTINHO DE LIBERDADE
No Hospital de Livros uma nova oportunidade. E que oportunidade! Devido ao espaço diferenciado – prateleiras cheias de histórias e uma parede ilustrada para motivá-los, além de um ‘fiscal’ de trabalho super orgulhoso (ver ‘estímulo literário’) – o novo canteiro de trabalho passou a ser visto pelos apenados como um cantinho de liberdade dentro da Penitenciária.
Alguns dos apenados que lá estão atuando, acompanharam a mudança de mais uma sala da PEPG em um local de transformação, e não só dos livros. “O Hospital de Livros significa a liberdade dentro da Penitenciária”, avalia o restaurador Willian Starke, o apenado que virou o porta voz dos restauradores.
Carinho pelo ambiente diferenciado e pelos livros que estão ganhando vida nova pelas mãos dos apenados, que passaram a ‘doutores’ dos livros. “Do sonho de uma pessoa estamos realizando os nossos”, disse Starke, agradecendo o idealizador do Pegaí, Idomar Augusto Cerutti, por compartilhar com eles o seu sonho de aproximar livros sem leitores de leitores sem livros, e agora, dar nova oportunidade a livros e pessoas.
Willian ainda tem um tempinho de pena para cumprir na PEPG, mas os seus sonhos fora do ambiente prisional incluem a sua arte, que ele está compartilhando com os leitores do Pegaí. O apenado refaz as capas dos livros que estavam sem. A cada livro, uma pesquisa sobre os desenhos que irão ilustrá-lo. “Isso aqui é uma joia para mim”, definiu a sua atuação no Hospital de Livros.
Antes de cumprir pena na PEPG Willian foi tatuador durante um tempo. No Hospital, além do prazer da leitura, reavivou a sua arte com a pintura. Um novo motivo para viver, um novo ideal para sonhar.
Além do prazer de estar ocupando sua cabeça com coisas boas, Starke destaca que o trabalho desenvolvido por ele e seus colegas restauradores ajuda a mudar a imagem dos apenados perante a sociedade, já que estão sendo úteis e colaborando para levar a cultura para mais pessoas.
Em sua família, Starke já virou celebridade. “Eles correm nas estantes do Pegaí para ver se acham meus livros”, exulta, citando os livros que ele deixa sua assinatura após fazer suas ilustrações.
ESTÍMULO LITERÁRIO
E não são somente os apenados que estão ‘curtindo’ o novo canteiro de trabalho da PEPG. O agente penitenciário Rogério Bueno coordena as atividades dos restauradores no Hospital de Livros, e está aproveitando o novo ambiente.
O hábito da leitura ele sempre teve, mas está o aperfeiçoando no ‘cantinho da liberdade’ da Penitenciária. “Tem vezes que estou lendo três, quatro livros ao mesmo tempo”, conta, mostrando as obras que ele garimpou no hospital e estão na fila da leitura.
Todo este conhecimento que está adquirindo, ele faz questão de compartilhar com os apenados. Em um quadro negro no Hospital de Livros ele escreve frases ‘garimpadas’ nas obras de seu interesse e que acabam servindo de inspiração para os restauradores.
“O que a literatura faz é o mesmo que acender um fósforo no campo no meio da noite. Um fósforo não ilumina quase nada, mas nos permite ver quanta escuridão existe ao redor”. Esta foi a última que Rogério escreveu. Ele tirou do livro “A bibliotecária de Auschwitz”, de Antonio Iturbe. Mas ele já tem uma lista delas em seu caderno. Uma delas, inclusive, de sua autoria.



Início do Hospital de Livros - primeiros apenados a receber a capacitação
Apenado William Starke. Imagem Feita na confraternização de dezembro. "Sentimento de liberdade do HL"
Grafitti transforma ambiente.
Desenhos remetem à liberdade.

Agente penitenciário Rogério Bueno
