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Matéria Cultural

Dezembro 2016

OFICINA DE MUITA MÚSICA!

     A Oficina de Muita Música! teve início em 2011, na Casa da Música (SECULT - Parque do Abaeté). No começo chamava-se simplesmente Oficina de Violão, pois esse foi um projeto que não nasceu pronto, mas que vem crescendo e evoluindo com o tempo.

     Fabio Shiva, o idealizador da Oficina, já vinha desenvolvendo outro projeto na comunidade de Nova Brasília de Itapuã, através da CUFA Itapuã: a oficina de Meditação para Crianças (https://youtu.be/lHSsHka-k_8). Essa oficina, que posteriormente foi realizada também no Instituto Kirimurê no Instituto Daniel Combony e na própria Casa da Música, foi inspirada por uma frase do cineasta americano David Lynch: “No dia em que um milhão de crianças aprender a meditar, o mundo será transformado”. Praticante de meditação, Fabio decidiu fazer a sua parte para que essa meta fosse alcançada, e assim nasceu a oficina de Meditação para Crianças (o projeto foi inclusive transformado em livro, ainda inédito).

     A Oficina de Violão na Casa da Música foi uma consequência direta desse trabalho de meditação com crianças da comunidade. Pois sempre foi uma firme convicção de Fabio que a música, assim como a meditação, tem o poder de mudar o mundo. Em sua opinião, muito da violência e desagregação social que experimentamos hoje é um reflexo direto do tipo de música que é veiculado pela grande mídia, uma música que apela para os instintos mais baixos no ser humano e que degrada tão rudemente a sexualidade, a feminilidade e o sentimento do sagrado. Não era por acaso que, na antiga China, o Imperador enviava emissários a todas as vilas e aldeias para escutar a música ali praticada, pois “se a música fosse alterada, o império ruiria”. Será que “louco” era o Imperador da China, junto com sábios e filósofos como Platão, Nietzsche e Hermann Hesse, que igualmente reverenciavam o poder da música, ou será que loucos somos nós, que colocamos a música, antes sempre conectada com o sagrado, no papel de reles objeto descartável de consumo?

      Foi com essas ideias na mente que Fabio Shiva iniciou a oficina de violão na Casa da Música, como um trabalho voluntário, sem grandes pretensões além de “fazer a sua parte” para promover alguma mudança positiva no mundo. De muita valia foi a sua experiência prévia como professor de violão, especialmente no Curso de Música Santa Cecília (Rio de Janeiro-RJ), onde Fabio começou a dar aula aos 16 anos. O método de ensino que ele ali aprendeu foi aplicado com muito êxito nas aulas coletivas da oficina de violão: a aula é coletiva, mas a atenção é individual. Isso permite que estudantes em níveis diferentes de desenvolvimento possam estudar juntos no mesmo espaço, cada um praticando o seu estudo individual.

     Logo a proposta da oficina, um curso gratuito para pessoas da comunidade, foi se tornando conhecida pela divulgação boca a boca. Mais e mais alunos começaram a chegar, gerando o primeiro grande desafio: como atender tantas pessoas em um período tão curto de tempo (as duas horas de duração de cada 

encontro da oficina). Não é à toa o ditado de que todo desafio traz junto uma oportunidade. Pois a solução surgiu naturalmente, inspirada por um belo verso da música “Yáyá Massemba”, de Roberto Mendes e Capinam, tornada célebre pela voz de Maria Bethania (https://youtu.be/ahXvu3xNoEk): “vou aprender a ler para ensinar meus camaradas”.

     E foi assim que os alunos mais desenvolvidos começaram a ajudar na instrução dos iniciantes. Foi nesse momento, quando todos passaram a ser alunos e professores de todos, que o projeto deixou de ser um simples curso de violão e começou a se tornar a Oficina de Muita Música!

   Esse formato, que já vem sendo experimentado há três anos, foi sendo aprimorado até adquirir os contornos de uma metodologia inédita e totalmente forjada na prática. Suas características essenciais são:

* O caminho da Alegria: o método de ensino é calcado no lúdico, no prazeroso, no divertido. Um compromisso solene é assumido com cada novo participante que ingressa na Oficina: “o violão pode ser tudo, menos chato. A vida já tem muitas partes chatas, e o violão não pode ser uma delas”. Seguindo esse princípio norteador, os ensinamentos são transmitidos sempre da forma mais divertida possível, de forma a facilitar a assimilação dos conteúdos. Alguns exemplos simples dessa prática: a “regra do Super-Homem” (o braço do violão deve sempre estar “para o alto e avante”) e os dois vícios de postura a serem evitados, o “polegar curioso” (muito acima do braço do violão) e o “polegar depressivo” (muito abaixo).

* Autoavaliação: dentro da proposta de todos serem alunos e professores, não cabe uma avaliação vinda de fora, de um terceiro que se coloca acima de quem está sendo avaliado. Nesse contexto, a autoavaliação é percebida como processo mais eficaz. Uma vez que há pessoas com diferentes níveis de desenvolvimento estudando juntas no mesmo espaço, é preciso que exista algum sistema de classificação, para que cada um estude o conteúdo que lhe for mais apropriado. A diferença é que essa avaliação é feita pelo próprio estudante. Seguindo o conceito lúdico e inspiradas nos cordões coloridos da capoeira (assim como nas faixas de outras artes marciais), existem na Oficina de Muita Música cinco níveis de aprendizado, com apostilas e ensinamentos específicos para os três primeiros, e cada participante é que decide em que nível se enquadra. São eles:

1) PALHETA VERDE (iniciantes – primeiras melodias e acordes, afinação do violão etc.);

2) PALHETA AZUL (intermediários – aprender a tocar mais de cinco ritmos e a fazer pestana etc.);

3) PALHETA AMARELA (avançados – leitura de partitura e execução de peças instrumentais);

4) PALHETA LARANJA (monitores – pessoas que participam da Oficina com o propósito de compartilhar o que aprenderam) e

5) PALHETA ULTRAVIOLETA (inatingível – a palheta de quem não tem mais nada para aprender – que existe apenas como um lembrete de que sempre há algo a aprender, pois a palheta ultravioleta só é alcançada por quem “já está pronto para morrer”).

* Ajuda mútua: proposta sintetizada pela frase que se tornou o lema da Oficina, “vou aprender a ler para ensinar meus camaradas”. A observação dessa proposta posta em prática, semana após semana, durante um período de três anos, levou a pelo menos duas constatações maravilhosas:

1) O aprendizado acontece de forma muito mais rápida e intensa, conforme observado em inúmeras ocasiões, a ponto de sugerir um campo fecundo para pesquisas sobre aprendizado, que extrapolariam totalmente os objetivos da Oficina. Basta mencionar, como possível referência teórica, os estudos sobre aprendizagem da espécie desenvolvidos pela Psicologia moderna, que indicam que o aprendizado fica mais fácil para a coletividade depois que o primeiro indivíduo do grupo aprende.

2) O processo de ensino mútuo favorece a dissolução de “barreiras” e “couraças” sociais, facilitando a interação e cooperação entre pessoas de grupos distintos, de diferentes faixas etárias e extratos sociais. É comum ver na Oficina uma criança da comunidade ensinando uma senhora de classe média, ou vice-versa. Quando todos são alunos e professores de todos, as semelhanças tornam-se mais relevantes que as diferenças.

* Estímulo à criatividade e independência: a vocação maior da Oficina de Muita Música é acolher os iniciantes no estudo do violão e capacitá-los a “caminhar com suas próprias pernas”. A partir do momento em que o estudante adquire certa fluência no estudo do instrumento, ele é estimulado a estudar por conta própria, seja em livros, seja com outros membros da Oficina, seja na Internet, uma fonte inesgotável de recursos didáticos para quem deseja aprender e evoluir. Não é a meta da Oficina, e nem poderia, fornecer um ensino formal de música. Por esse motivo, a metodologia adotada não obtém o mesmo êxito com todos. A observação tem demonstrado que pessoas com necessidade de estruturas de ensino mais rígidas e formais de modo geral não se identificam com a proposta da Oficina. Mas houve casos também de pessoas nessa condição que, por não desistirem de frequentar a Oficina, acabaram se adaptando muito bem a um modelo mais flexível, que incentiva a participação coletiva e criativa.

 

      No último sábado de cada mês a Oficina de Muita Música! apresenta-se com artistas convidados na Sabadeira Musicada, evento com entrada franca realizado na Casa da Música. Grandes músicos como Amadeu Alves, Duda Spínola e Rubén de Lis (Espanha), as cantoras Fá Ribeiro, Gabriele Victória, Kal Rebello, Lis Braga, Salvadora Lima, Sylvia Patricia e Victoria Rosa, os poetas Adão Cunha e Rubem Garcia, o luthier Paulo Roberto, o saxofonista Pires Piêtra, os percussionistas Allan Corbacho e Paulinho Naieco e os grupos Batrákia, Diáspora, Filarmônica de Cordas, Flor de Lótus, Hemprolika, Intervenção Urbana, IV de Marte, Karas e Koroas, Melskishow, Nana de Deus e Os Censurados, RxGroup e The Glory já abrilhantaram edições do evento.

     Durante a Sabadeira Musicada acontece também a linda brincadeira do P.U.L.A. (Passe Um Livro Adiante), com a doação de livros de ficção e não-ficção. “Um livro só existe quando é lido. Se fica esquecido em uma estante, comendo poeira, não é um livro, mas uma triste árvore desperdiçada”, diz Fabio Shiva, um dos idealizadores do projeto. Todos são convidados a doarem seus livros usados e igualmente a se presentearem com os livros ofertados pelos outros.

       Um evento muito feliz na história da Oficina de Muita Música foi a recente fundação de uma filial do projeto na cidade de Amargosa, conduzida pelo jovem e talentoso músico Vitor Ravel (https://youtu.be/DVb-DeCdtpk).

      Além disso a Oficina de Muita Música vem sendo convidada, com frequência cada vez maior, para apresentações externas. Destacam-se os shows no Museu da República (evento celebrando a inclusão, a convite da APABB – Associação de Pais e Amigos dos Portadores de Deficiência do Banco do Brasil), Museu Geológico da Bahia (em duas ocasiões, para o lançamento de livros da Editora Cogito), Festival da Cultura do Shopping Piedade e primeira edição do Sarau da Praça, em Itapuã. Mais recentemente, têm surgido convites para apresentações em asilos de idosos como o Abrigo Dom Pedro II, onde reside Waldir Serrão, o célebre Big Ben, que cantou como um dos artistas convidados em recente edição da Sabadeira Musicada (26 de setembro de 2015).

         Esses convites são recebidos com a percepção de que a Oficina de Muita Música já está madura para se expandir e multiplicar, levando adiante a sua proposta. E o desejo de atender a esse chamado foi, em larga medida, a inspiração e motivação para o presente projeto.

“Vou aprender a ler para ensinar meus camaradas”

(https://youtu.be/6HOuF-I68dQ)

Página no Facebook: https://www.facebook.com/oficinamuitamusica

Canal no YouTube: Oficina de Muita Música!

(*) O texto acima foi escrito por Fábio Shiva, um dos integrantes da banda Mensageiros do Vento.

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