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Glória S. Alves
Entrar num quarto da casa
É, é pra você arrumar e limpá-lo.
Aí, de acordo com o seu jeito de faxinar (sempre o mais difícil, esquisto e maluco como você mesma), começa a via crucis. Uma leve vassourada no piso para retirar os ciscos, a poeira e os fiapos de tecido que veem dos lençóis e mantas (atchim).
Vassoura de teto, cara virada para cima, cisco caindo nos olhos e piorando a visão com lentes de contato. Vassoura de pelos nas paredes para retirada de traças, teias de aranha ou simplesmente pó de minério da siderúrgica que pousam nas paredes.
Passar pano molhado com sabonete nos vidros da janela, retirar com pano molhado, mais outro pano mais bem torcido e lustrar com tecido seco. Olhar atentamente para ver se ainda tem mancha ou sujeira.
Recolocar as cortinas que já haviam sido lavadas no dia anterior (ufa, ainda bem!).
Subir numa escada miserável de desconfortável para passar um pano úmido em cima do guarda-roupa e retirar aquela generosa camada de pó e pelos que as roupas soltam.
Nova subida na escada para passar outro pano e terminar a limpeza.
Limpar minuciosamente o guarda-roupas por fora, tendo que fingir uma paciência de Jó para escarafunchar os detalhes daquela peça de museu, cheia de entalhes.
Sorte que a limpeza e arrumação das roupas dentro dele haviam sido feitas anteriormente. Sorte?! Sorte nada: trabalho enjoado, isso sim!
Limpar a mesinha de ferro, pesada, que fica no canto não sei fazendo o quê.
Limpar toda a porta do quarto por dentro e por fora, de madeira maciça ainda não lixada e envernizada. É loucura passar escova na porta e vir a seguir com pano úmido?
É, é o meu jeito doido de fazer e é o único jeito de ela ficar limpa, apresentável, como se fosse nova. Quando falo em pano úmido não é, na maioria das peças, que se passa um pano encharcado. As vezes, é só úmido mesmo.
Até uma aloprada como eu sabe que água e madeira não combinam.
Assim como meu olfato e essa parafernália infinita de produtos de limpar, encerar, lustrar, polir, etc e tal não combinam definitivamente. É nariz entupido, enjoo e dor de cabeça na certa!
Vamos para a cama.
Não para fazer sexo, naturalmente, mas para limpá-la.
Todos sabem o quanto é gostoso deitar e dormir numa cama arrumada, limpa e confortável.
Mas alguém sabe a dor e a não delícia que é deixá-la assim para alguém dormir o sono dos justos? Você tem que deixar o colchão ao sol e que ele tome bastante sol de ambos os lados.
Mas, venha cá: você já viu sol suficiente no último dia do outono, no quintal? Eu nunca vi.
Então, você retira o colchão da cama, escova dos dois lados, lança jatos de aromatizador de lavanda e, mesmo sendo a única fragrância que você tolera, seu olfato já começa a rebelião.
E vai passar pano úmido em toda a cama, em todo estrado; sorte que a cama desse quarto não tem os entalhes, e o colchão volta para cama e você coloca aquela centenária colcha Madrigal verde cana sobre ele.
Aí, você pega o balde com uma água bem espumante de sabonete e passa o pano em todo chão e o seca. Vem com outro balde de água e tampinhas de álcool e passa uma segunda vez, secando o piso.
Quase morta de cansaço, com a velha e conhecida dor nos ombros aparecendo, você para na porta e olha o quarto arrumado, limpo, cheiroso, tranquilo e fecha a porta, torcendo para que não entre nele uma pessoa com chinelos sujos.
Houve pequenas mentiras vergonhosas nesse relato:
1- Não tirei o colchão da cama e portanto ele não foi escovado e nem borrifado de um lado com o aromatizador.
2- O estrado da cama não foi generosamente limpo com pano úmido dos dois lados.
3- Dessa vez foi a água espumante de sabonete e pronto; não veio o outro balde com mais água limpa e álcool.
Que espécie de dona de casa sou eu que fico quase um dia inteiro limpando somente um aposento? Que me sinto morta com farofa após essa tarefa? Que me sinto culpada, envergonhada e fracassada por não ter feito a tarefa completa? Que dia estarei com forças para ir limpar o segundo quarto? Quando a casa inteira estará limpa?
Se uma diarista viesse fazer esse serviço para mim (só o quarto), ela me cobraria 50,00 e não ficaria como eu fiz.
Eu fiz! E não recebi 25,00 para fazer as minhas unhas que foram para o brejo.
Eu ainda estou me arrastando nos corredores da depressão.
O que antes para mim era cansativo, mas dava prazer, agora me parece uma exploração sem tamanho da vida.
Talvez, em novembro eu termine a limpeza da casa inteira.
Será injusto eu passar o Natal numa casa desarrumada e suja.
Não mereço isso, mesmo com um mundo de pecados nos meus ombros.
Amanheci o dia chorando como um bezerro desmamado e estou morrendo de pena de mim.
Mulher de mentira é fogo, um desastre...
[03/06/2017]