

CHRONICA
Dezembro 2016
... de tanto arder sem ninguém ver, acabou.
Malú mal sabia se virar sozinha quando veio de Recife para São Paulo, fazia frio e os enfeites natalinos coloriam as tumultuadas ruas da cidade.
Veio para tentar a sorte na cidade grande, ‘’Esperta demais para viver nesta pobreza maldita’’, dizia Dona Laura, sua mãe.
Por lá deixou Marcelo, seu amor , desde a infância, prometeu voltar para se casarem, mas bem sabia que não voltaria. Era difícil dizer o que arde mais, o tal do amor que recitou Camões, ou a fome.
Rua sete, casa 2, Franco da Rocha.
Eram os dizeres do bilhete que levava amassado no bolso.
Perguntou ao policial, que espreitou as curvas da jovem enquanto ensinava-lhe o caminho.
A rua sete era feia, daquelas bem finas, a pobreza refletia nas janelas das pequenas casas.
__Sabe, Malú, a pobreza tem várias faces, e quis bem a vida que você a conheça uma a uma.
‘’A chave estará embaixo do tapete de entrada’’.
A voz da mãe em sua cabeça já remetia saudade.
Por dentro da casa, um fogão, uma pequena geladeira, uma cama de solteiro e um armário.
Por dentro de Malú, fome, sonhos, sonhos, sonhos, a voz da mãe e o adeus de Marcelo.
Ela abriu a bolsa que trouxera, comeu o lanche que guardou para a ultima refeição. Tira outro papel amassado com um novo endereço, este, da casa de família na qual iria trabalhar.
Coloca na bolsa os sonhos, a voz de Dona Laura, e os trocados para a passagem.
Na porta da geladeira pendura a foto de Marcelo.
Que fique ali, até esfriar...
Porque de tanto arder sem ninguém ver, um dia há de apagar.
Viviane Santyago
